Dom Jaime Spengler é anunciado entre os 21 novos cardeais a serem criados pelo Papa Francisco

O Papa Francisco anunciou neste domingo, 6 de outubro, a criação de 21 novos cardeais num Consistório a ser celebrado no dia 8 de dezembro, Solenidade da Imaculada Conceição. Entre eles, está o arcebispo de Porto Alegre (RS) e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Jaime Spengler. Aos 64 anos, dom Jaime também tem atuado na presidência do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (Celam), para a qual foi eleito poucas semanas depois de sua eleição para a Presidência da CNBB, em 2023.

Além de dom Jaime, foram escolhidos para o cardinalato bispos e padres que atuam na cúria romana e de outras partes do mundo, como Argentina, Peru, Equador, Chile, Japão, Filipinas, Sérvia, Costa do Marfim, Argélia, Indonésia, Irã, Itália, Canadá e Ucrânia.

“A proveniência deles expressa a universalidade da Igreja que continua a anunciar o amor misericordioso de Deus a todos os homens da terra. A inclusão na diocese de Roma manifesta, portanto, o vínculo inseparável entre a Sé de Pedro e as Igrejas particulares espalhadas pelo mundo”, afirmou o Papa Francisco.

Papa Francisco durante a oração do Angelus na qual anunciou a criação de novos cardeais | Foto: Vatican Media

Em vídeo enviado de Roma, dom Jaime manifestou gratidão ao Papa Francisco pela indicação e recordou o clero e o povo de Deus da arquidiocese de Porto Alegre e, especialmente, os que foram marcados pelas tragédias climáticas no Rio Grande do Sul, com as enchentes; no Centro-Oeste, com as queimadas; e na Amazônia, com as secas. Também dirigindo-se aos bispos do Brasil e da América Latina e do Caribe, dom Jaime fez votos de que “juntos possamos cooperar da melhor forma para promover o Evangelho em todas as realidades da nossa sociedade”.

“Caminhemos juntos na comunhão a fim de que possamos promover já entre nós o Reino de Deus e a sua justiça. Muito obrigado, em primeiro lugar, novamente ao Santo Padre, mas um obrigado também à proximidade, à fraternidade de cada irmão e de cada irmã. Deus a todos abençoe!”

Biografia e trajetória eclesial

Dom Jaime Spengler nasceu em 6 de setembro de 1960, em Gaspar (SC). Ingressou na Ordem dos Frades Menores, também conhecida por Ordem de São Francisco (Franciscanos) em 20 de janeiro de 1982, pela admissão no Noviciado na cidade de Rodeio (SC). Cursou Filosofia no Instituto Filosófico São Boaventura, de Campo Largo (PR), e Teologia no Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ), concluindo-o no Instituto Teológico de Jerusalém, em Israel.

Foi ordenado sacerdote em 17 de novembro de 1990, na sua cidade natal. Fez doutorado em Filosofia na Pontifícia Universidade Antonianum, em Roma, e atuou dentro da Ordem dos Frades Menores em diversas missões e cidades do país até 2010, quando foi nomeado pelo Papa Bento XVI como bispo auxiliar da arquidiocese de Porto Alegre. A ordenação episcopal, presidida por dom Lorenzo Baldisseri, núncio apostólico no Brasil na ocasião, ocorreu dia 5 de fevereiro de 2011, na paróquia São Pedro Apóstolo, em Gaspar.

Dom Jaime Spengler é arcebispo metropolitano de Porto Alegre desde 18 de setembro de 2013, quando foi nomeado pelo Papa Francisco que, concomitantemente, recebeu o pedido de renúncia de dom Dadeus Grings. Escolheu como seu lema episcopal “Gloriar-se na Cruz” (Cl 6,14) – In Cruce Gloriari.

No quadriênio de 2011 a 2015, foi membro da Comissão Episcopal Pastoral para os Ministérios Ordenado e a Vida Consagrada da CNBB. Em 2015, foi eleito presidente desta comissão. Entre os destaques de sua atuação à frente do colegiado, consta a aprovação das novas Diretrizes para a Formação de Presbíteros da Igreja no Brasil, em 2018.

Em maio de 2019, foi eleito primeiro vice-presidente da CNBB. No mesmo quadriênio, foi bispo referencial da CNBB para o Colégio Pio Brasileiro, em Roma, vice-presidente da Comissão Especial para o Acordo Brasil-Santa Sé da CNBB e bispo referencial CNBB – Regional Sul 3 para Vida Consagrada e Ministérios Ordenados.

No dia 24 de abril de 2023, foi eleito presidente da CNBB para o quadriênio 2023-2027. Semanas depois, no dia 17 de maio, foi eleito presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (Celam). A partir desta função, foi nomeado padre sinodal da XVI Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos, cuja segunda etapa ocorre em Roma até o próximo dia 27.

Papa Francisco recebe dom Jaime Spengler em visita à Santa Sé | Foto: Vatican Media

Relações na Igreja Sinodal: “Um lugar onde todos são bem-vindos. Um lugar de cuidado gratuito”

Um novo módulo, o de relações, foi aberto na Segunda Sessão da Assembleia Sinodal do Sínodo sobre Sinodalidade. No dia em que, conforme solicitado pelo Papa Francisco, acontece o Dia de Jejum e Oração pela Paz, no primeiro aniversário do bombardeio que provocou a guerra. Menos de 24 horas após a convocação de um consistório do qual participarão alguns dos participantes da Assembleia Sinodal.

Cardeais na Assembleia Sinodal

São 8 membros da Assembleia Sinodal: Dom Luis Gerardo Cabrera, Arcebispo de Guayaquil (Equador), um dos presidentes delegados; Dom Tarcisio Isao Kikuchi, Arcebispo de Tóquio (Japão); Dom Pablo Virgilio Siongco David, Bispo de Kalookan (Filipinas); Dom Ladislav Nemet, Arcebispo de Belgrado-Smederevo (Sérvia); Dom Jaime Spengler, Arcebispo de Porto Alegre (Brasil); Dom Ignace Bessi Dogbo, Arcebispo de Abidjan (Costa d’Avorio); Dom Ladislav Nemet, Arcebispo de Belgrado-Smederevo (Sérvia); Dom Dominique Joseph Mathieu, Arcebispo de Teerã-Ispahan (Irã), Dom Roberto Repole, Arcebispo de Turim (Itália). A eles se juntam um dos acompanhantes espirituais da assembleia e o coordenador do Grupo de Estudos 9, que fazem parte do Sínodo, o arcebispo Carlos Gustavo Castillo Mattasoglio, de Lima (Peru). Dez dos 21 novos cardeais são, de uma forma ou de outra, membros do Sínodo, um fato a ser levado em consideração.

Novos cardeais, que continuam o seu trabalho da mesma forma, que se aproximam de todo mundo e são cumprimentados sem cerimónia, que foram abraçados e felicitados pelos participantes da assembleia e entre si, e que receberam felicitações públicas do secretário da Secretaria do Sínodo, Cardeal Mario Grech, que foram respondidas pelos aplausos dos presentes na Aula Paulo VI.

Como um gesto concreto, os participantes foram convidados pelo Esmoleiro Pontifício, Cardeal Konrad Krajewski, a praticar a caridade com a paróquia de Gaza. Para esse fim, o próprio cardeal polonês coletará doações no início da sessão da tarde no Dia de Jejum e Oração. As esmolas serão enviadas imediatamente para a paróquia de Gaza, a quem o Papa telefona todos os dias para perguntar como estão indo e para encorajá-los, enfatizou o esmoleiro papal.

Relacionamentos: com o Senhor, entre irmãos e irmãs e entre as igrejas

No dia 7 de outubro, a Assembleia sinodal iniciou o módulo sobre as Relações. Trata-se de “relações com o Senhor, entre irmãos e irmãs e entre Igrejas”, que “sustentam a vitalidade da Igreja muito mais radicalmente do que suas estruturas“, como lembrou Maria Inazia Angelini em sua meditação, citando o Instrumetum laboris. A monja beneditina concentrou sua reflexão na parábola do Bom Samaritano e nos relacionamentos que aparecem no texto, onde “encontramos implicitamente desenhado, em símbolo, um mapa do caminho sinodal. Que tem sua rede de apoio nos relacionamentos. Relacionamentos nos quais, antes mesmo de fazer, é preciso ver”. Isso porque é “o ver que está na base da espiritualidade sinodal: onde há amor, abre-se uma nova visão”, sublinhou Angelini.

De acordo com a monja beneditina, “o mistério do Mandamento só pode ser entendido através do evento do relacionamento“, sublinhando que o caminho sinodal, iniciado de diferentes maneiras, “é único”, mas, ao mesmo tempo, “para aqueles que o percorrem – o Evangelho nos revela – ele abre diferentes visões: ver e passar, distanciar-se do outro lado”. Isso em um mundo de guerras, que “deixa o ser humano igual à terra: meio morto”. Diante dessa realidade, a missão da Igreja “deve descobrir como abrir seu olhar para a alegria de ver com olhos de compaixão”.

Relacionamentos que falam de Deus, não de si mesmo

São relacionamentos “que falam de Deus, não de si mesmo“, afirmou, analisando as formas de relacionamento dos personagens da parábola do Bom Samaritano, onde “a história do gênero humano é contada”, onde o samaritano cria uma rede de relacionamentos, tece uma cultura de gratuidade. Algo que deveria tornar a Igreja “um lugar onde todos são bem-vindos. Um lugar de cuidado gratuito. Dessa forma, somos verdadeiramente provocados a ser uma igreja sinodal”.

Isso em um mundo, e em uma Igreja, em que “o outro necessitado se torna invisível para aqueles que estão presos em suas próprias agendas, urgências, autorreferências“, em que “a indiferença é o mal de uma sociedade complexa, global, mas anônima”, destacou a monja.

A paz como um horizonte de reflexão

Os trabalhos propriamente ditos foram abertos pela Presidente Delegada desta Congregação Geral, a japonesa Momoko Nishimura, que depois de cumprimentar em espanhol, ela foi missionária na Argentina, passou a palavra ao Relator Geral, Cardeal Hollerich, que apresentou o módulo II, dedicado às Relações, que depois de cumprimentar, lembrou a oração do Rosário deste domingo em Santa Maria Maior, e o jejum e a oração desta segunda-feira, unindo-se aos bons votos para os novos membros do Colégio Cardinalício, em particular os presentes na assembleia.

Na perspectiva da paz, ele pediu “que o anseio pela paz seja o horizonte de nossa reflexão e de nossos intercâmbios e que o Senhor nos mostre o caminho para nos tornarmos pacificadores, a serviço de toda a humanidade”. O cardeal explicou a natureza diferente desse módulo e dos seguintes, em relação aos fundamentos. São três módulos, relações, itinerários e lugares, intimamente interligados, que “iluminam, a partir de diferentes perspectivas, a vida sinodal missionária da Igreja”, como afirma o Instrumentum laboris.

Descrever maneiras de incorporar os Fundamentos

Trata-se de, com base no trabalho da Primeira Sessão da Assembleia Sinodal e refletido no Relatório de Síntese, “delinear formas de encarnar os Fundamentos na vida cotidiana e nas práticas das comunidades cristãs, tornando-os concretos e, portanto, capazes de serem experimentados pelo Povo de Deus”. Relações com o Senhor, entre irmãos e irmãs e entre as Igrejas, “que sustentam a vitalidade da Igreja muito mais radicalmente do que suas estruturas”. De acordo com Hollerich, “essa rede de relações, que oferece aos indivíduos e às comunidades pontos de referência e orientação, é multifacetada e atravessa uma multiplicidade de níveis”.

Essa parte está organizada em quatro seções, cada uma das quais se concentra em um aspecto específico: relações trinitárias, expressas no itinerário da iniciação cristã; relações entre aqueles que receberam o dom do Batismo, membros do Povo de Deus e anunciadores do Evangelho; relações entre o sacerdócio batismal e o sacerdócio ministerial; relações entre as Igrejas. Diante disso, o desafio, advertiu o Cardeal, “é estar em sintonia com o movimento que anima o Instrumentum laboris, capaz de manter unidos os diferentes níveis e áreas, e assim alcançar a vida concreta e as práticas de nossas comunidades”.

Algo que decorre do fato de que “o Povo de Deus espera de nós indicações e sugestões sobre como é possível tornar essa visão concretamente tangível: O que o Espírito Santo nos convida a fazer para que as relações dentro de nossas Igrejas sejam mais transparentes e harmoniosas, para que nosso testemunho seja mais crível? Em outras palavras: “O que o Espírito Santo nos convida a fazer para passarmos de uma forma piramidal de exercer autoridade para uma forma sinodal?” O objetivo deste módulo é “tomar medidas para tornar a perspectiva eclesiológica delineada pelo Concílio”. Para isso, será necessário “manter o delicado equilíbrio que mantém o risco de cair em um excesso de abstração, por um lado, ou em um excesso de pragmatismo, por outro”, lembrou Hollerich.

Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Francisco pede a ajuda de Maria pela paz: “Convertei os que alimentam o ódio”

A paz é uma das grandes preocupações de Francisco, especialmente neste momento em que, como ele já repetiu várias vezes, o mundo está vivendo uma Terceira Guerra Mundial em pedaços. Isso o levou, às vésperas do Dia de Oração e Jejum, que acontece em 7 de outubro, a convocar a reza do Rosário na Basílica de Santa Maria Maggiore, aos pés do Salus Populi Romani, para onde ele sempre vai para encomendar e agradecer por suas viagens apostólicas.

Presença dos participantes da Assembleia Sinodal

Uma celebração com a presença dos participantes da Segunda Sessão da Assembleia Sinodal do Sínodo sobre a Sinodalidade, que está sendo realizada na Sala Paulo VI de 2 a 27 de outubro, entre eles alguns dos futuros cardeais, cujos nomes foram anunciados no Angelus de domingo, 6 de outubro. É uma assembleia que pede constantemente pela paz no mundo e da qual participam pessoas que sofrem as consequências das várias guerras que fazem parte do atual panorama mundial.

Francisco invocou “Maria, nossa Mãe”, dizendo: “eis-nos aqui de novo na vossa presença. Vós conheceis as dores e os cansaços que nesta hora pesam sobre os nossos corações”, especialmente o dele, para quem a paz no mundo é algo constantemente presente em seu coração, em sua oração e em seus discursos.

Ele disse a Maria: “Para Vós, erguemos os nossos olhos; sob o vosso olhar encontramos refúgio; e ao vosso coração nos confiamos”, lembrando as “provações difíceis e receios humanos” pelos quais Maria passou. Diante disso, Francisco lembrou que ela foi “corajosa e audaz: tudo confiastes a Deus, respondendo-Lhe com amor e oferecendo-Vos a Vós mesma sem reservas”.

Mulher destemida da caridade

O Papa elogiou Maria como uma “intrépida Mulher da Caridade”, observando que ela foi “apressastes-Vos a socorrer Isabel; com prontidão, acolhestes a necessidade dos esposos nas bodas de Caná; e com fortaleza de espírito, iluminastes no Calvário a noite da dor com a esperança pascal. Por fim, com ternura de Mãe, infundistes coragem aos discípulos atemorizados no Cenáculo e, com eles, acolhestes o dom do Espírito”.

A ela ele orou: “acolhei o nosso grito! Precisamos do vosso olhar de amor que nos convida a confiar no vosso Filho Jesus. Vós que estais disposta a acolher as nossas mágoas, vinde socorrer-nos nestes tempos subjugados pela injustiça e devastados pelas guerras, enxugai as lágrimas dos rostos sofredores de quem chora a morte dos seus entes queridos, despertai-nos do torpor que obscureceu o nosso caminho e tirai do nosso coração as armas da violência, para que se realize sem demora a profecia de Isaías: «transformarão as suas espadas em relhas de arados, e as suas lanças, em foices. Uma nação não levantará a espada contra outra, e não se adestrarão mais para a guerra» (Is 2, 4).  

Converter corações

Ele também pediu a Maria que voltasse seu “Voltai o vosso olhar maternal para a família humana, que perdeu a alegria da paz e o sentido da fraternidade. Intercedei pelo nosso mundo em perigo, para que preserve a vida e rejeite a guerra, cuide dos que sofrem, dos pobres, dos indefesos, dos doentes e dos aflitos, e proteja a nossa Casa Comum”.

Por fim, ele disse: “Ó Rainha da Paz, de Vós imploramos a misericórdia de Deus. Convertei os que alimentam o ódio, silenciai o ruído das armas que geram a morte, extingui a violência que grassa no coração humano e inspirai projetos de paz nas mãos de quem governa as Nações”. À Rainha do Santo Rosário, Francisco disse: “desatai os nós do egoísmo e dissipai as nuvens sombrias do mal. Enchei-nos com a vossa ternura, levantai-nos com a vossa mão carinhosa e dai a estes filhos, a vossa carícia de Mãe, que nos faz esperar o advento de uma nova humanidade onde ‘o deserto se converterá em pomar, e o pomar será como uma floresta. Na terra, agora deserta, habitará o direito, e a justiça no pomar. A paz será obra da justiça’ (Is 32, 15-17)”.

Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Mounir Khairallah, o bispo maronita que foi ensinado por sua tia monja a perdoar os assassinos de seus pais

A paz é uma das grandes preocupações do Papa Francisco, daí a convocação de um Dia de Oração e Jejum pela Paz na segunda-feira, 7 de outubro, e a recitação do Rosário no domingo, 6 de outubro. Uma paz que só é possível por meio do perdão, algo que nem sempre é fácil de aceitar. Daí a importância do testemunho dado na Sala Stampa do Vaticano pelo bispo maronita Mounir Khairallah.

Um país que teve uma guerra imposta

O bispo libanês, um dos membros da Segunda Sessão da Assembleia Sinodal do Sínodo sobre a Sinodalidade, começou contando a situação em seu país, que está em guerra desde 1975, uma guerra que começou com a desculpa de ser uma guerra religiosa entre muçulmanos e cristãos. Dom Mounir Khairallah não hesitou em afirmar que “50 anos depois, eles não conseguiram fazer com que as pessoas entendessem que não se trata de uma guerra religiosa, mas de uma guerra imposta ao Líbano”. Ele lembrou as palavras do Papa João Paulo II, que definiu o Líbano como um país que é uma mensagem de coexistência, liberdade, democracia e vida, caracterizado pelo respeito à diversidade, algo que o Papa Francisco também afirmou. De acordo com o bispo, “o Líbano é uma mensagem de paz e deve continuar a ser uma mensagem de paz”.

Isso porque é “o único país do Oriente Médio onde cristãos, muçulmanos e judeus podem continuar a viver juntos, no respeito à sua diversidade em uma nação que é uma nação modelo”, como disse Bento XVI. Diante dessa situação de guerra prolongada, o bispo reconheceu sua dificuldade em falar do sínodo e do perdão, o perdão que o Papa Francisco escolheu como o sinal desta Segunda Sessão, lembrou. Falar de perdão e reconciliação, “enquanto meu país, meu povo sofre as consequências de guerras, conflitos, violência, vingança, ódio”.

Condenamos o ódio, a vingança e a violência.

“Nós, libaneses, queremos sempre condenar o ódio, a vingança e a violência. Queremos construir a paz e somos capazes de fazê-lo”, disse ele, afirmando que ‘para mim, essa é uma ótima mensagem para falar sobre o perdão’. Na ocasião, ele enfatizou que “o povo do Líbano rejeita a linguagem do ódio e da vingança”. O perdão é algo que o Bispo Mounir Khairallah foi chamado a experimentar quando criança. Como ele contou, produzindo um silêncio estrondoso de todos os ouvintes, “quando eu tinha cinco anos de idade, alguém foi à minha casa e assassinou selvagemente meus pais”.

Os quatro irmãos, o mais novo com dois anos de idade, foram levados por sua tia monja maronita para seu mosteiro, onde, na igreja, “ela nos convidou a ajoelhar e orar ao Deus misericordioso, o Deus do amor”. Ela nos disse, continuou o bispo, “não rezem por seus pais, seus pais são mártires diante de Deus. Orem pela pessoa que os matou e tentem perdoar durante toda a vida, para que sejam filhos de seu pai, que está no céu”, lembrando as palavras de Jesus: “Se vocês amam aqueles que os amam, qual é o mérito de fazer isso? Amem aqueles que os perseguem”. “Quatro crianças que carregamos isso em nossos corações”, disse o bispo maronita, acrescentando que ‘o Senhor nunca nos abandonou e nos permitiu viver esse perdão’.

Renovando sua promessa de perdão

O bispo Mounir Khairallah foi ordenado sacerdote no aniversário do assassinato de seus pais, na véspera da festa da Exaltação da Santa Cruz, uma grande festa para as igrejas orientais. Citando a frase do Evangelho: “o grão, a menos que morra na terra, não pode dar frutos”, ele destacou que “o fruto desse grão é a vontade de Deus que nossos pais aceitaram e pela qual vivemos”, enfatizando que “renovo minha promessa de perdão a todos aqueles que nos prejudicam”.

Poucos meses depois de sua ordenação, em 77-78, ele deu um retiro para alguns jovens, aos quais falou sobre o sacramento da reconciliação e do perdão, percebendo que “os jovens não me entendiam, estavam armados e queriam fazer guerra contra nossos inimigos”. Depois de quatro horas, ele percebeu que eles não aceitaram a mensagem, então lhes contou o que havia vivido e sua experiência de perdão e reconciliação. “Depois de um tempo de silêncio, um jovem se levantou e me disse: “Padre, suponho que o senhor tenha perdoado, mas imagine agora, padre, se o senhor estiver no confessionário e essa pessoa estiver ao seu lado, se confessar e pedir perdão, o que o senhor faz?” Naquele momento, reconhecendo que não era fácil responder, ele entendeu o que significava perdoar.

Eu daria a absolvição ao assassino de meus pais.

“É verdade, eu perdoei, mas agora sei que perdoei de longe, porque nunca o vi. Agora você me ajuda a vê-lo ao meu lado, e eu também sou um homem, tenho meus sentimentos. Mas, finalmente, sim, eu lhe daria a minha absolvição, o meu perdão”, disse aos jovens, fazendo-os ver que ‘o perdão é difícil, mas não é impossível’, que, apesar de compreendê-los, “é possível viver o perdão se quisermos ser discípulos de Cristo na terra de Cristo”. Isso porque, na Cruz, Jesus perdoou, ao que ele questionou: “Será que somos capazes de perdoar?”

Para o bispo maronita, “todos aqueles que fazem guerra contra nós, que consideramos inimigos, israelenses, palestinos, de todas as nacionalidades, não são inimigos, porque aqueles que fomentam a guerra não têm identidade, nem confissão, nem religião”. Nesse sentido, ele afirmou que “as pessoas querem paz, querem viver em paz na terra da paz, a terra de Jesus Cristo, rei da paz”. Portanto, “também hoje, apesar de tudo o que está acontecendo depois de 50 anos de guerra cega e selvagem, apesar de tudo, nós, como povos de todas as culturas, de todas as confissões, nós, como povos, queremos a paz, somos capazes de construir a paz”.

Vamos construir a paz

O bispo Mounir Khairallah pediu para deixar de lado os políticos, que fazem e seguem seus interesses, “mas nós, como povos, não queremos tudo isso, rejeitamos tudo isso, um dia teremos a oportunidade de passar nossa mensagem e dizer nossa palavra contra a vingança, contra o ódio, contra as guerras”. A partir daí, ele pediu que lhes fosse permitido construir a paz, “pelo menos para nossos filhos, para as gerações futuras que têm o direito de viver em paz”.

Algo que leva o bispo maronita a entender a mensagem do Papa Francisco, “quando nos convidou a viver juntos a sinodalidade, que é uma prática em nossas igrejas orientais, e pediu a toda a igreja que começasse a viver o perdão, a reconciliação, a conversão pessoal e comunitária para caminhar juntos rumo à construção do reino de Deus”, afirma, insistindo que “se quisermos fazê-lo, podemos fazê-lo”. Sua vida representa o melhor exemplo do que significam a paz, o perdão e a reconciliação.

Vê-lo falar é um testemunho claro de que é possível perdoar para viver em paz, também para aqueles que, quando ele tinha cinco anos de idade, viram seus pais serem brutalmente assassinados. Sua tia, por meio da oração, ensinou-lhe que, embora seja difícil, humanamente difícil, é possível trilhar esse caminho. Esse é o caminho que Francisco nos propõe para este Dia de Jejum e Oração.

Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Segunda Sessão da Assembleia Sinodal: “Sinodalidade significa que todos se sentem em casa”

A Assembleia Sinodal continua recheada de temas a serem tratados, algo que se torna conhecido todos os dias nas coletivas de imprensa, nas quais alguns dos membros da assembleia vêm à Sala Stampa do Vaticano para compartilhar suas impressões sobre o que estão vivenciando no salão sinodal.

Além dos habituais Paolo Ruffini, Prefeito do Dicastério para a Comunicação, e Sheila Pires, Secretária da Comissão para a Comunicaçãodia também contou com a presença do Bispo de Kalookan (Filipinas), dom Pablo Virgílio David, Dom Launay Saturné, arcebispo de Cap Haïtien (Haiti), Dom Mounir Khairallah, bispo de Batrun dos Maronitas (Líbano), e a teóloga Catherine Clifford, professora da St. Paul University em Ottawa (Canadá). Todos eles coordenados por Cristiane Murray, vice-diretora da Sala Stampa.

Elementos abordados na sala de aula sinodal

Como de costume, foram revelados os elementos fundamentais presentes na manhã e na tarde anterior, um trabalho realizado por Pires e Ruffini. O prefeito do dicastério para a comunicação destacou como importante a intervenção do cardeal Grech, secretário do Sínodo, que anunciou a necessidade de a Assembleia entrar em diálogo com os 10 grupos de estudo criados pelo Papa, o que foi aprovado com 265 votos a favor e 74 contra. O trabalho nas últimas horas foi realizado em círculos menores, que elaboram relatórios a serem entregues à Secretaria do Sínodo, onde são coletados os pontos a favor e o que precisa ser aprofundado, para os quais deve ser sugerido o que e como fazer isso. Ele também se referiu à oração do Rosário neste domingo em Santa Maria Maggiore, onde o Papa invocará a Paz, e ao Dia de Oração e Jejum na segunda-feira, dia 7.

Tópicos mais relevantes

Quanto aos temas, Sheila Pires lembrou o desejo de alguns membros de que o Sínodo fizesse um apelo à paz, com passos concretos para acabar com a guerra e pôr fim às migrações forçadas, ser artesãos da paz e condenar os fundamentalismos, denunciando o tráfico de armas, causa do sofrimento mundial, porque às vezes “além de rezar, é preciso denunciar”, sublinhou.

Na assembleia, surgiu o tema dos pobres, que são os sujeitos e não os destinatários da sinodalidade, uma vez que o caminho para a salvação é frequentemente mostrado pelos últimos. O clamor da terra e dos povos também foi ouvido, assim como o fato de a caridade aparecer apenas duas vezes no Instrumentum laboris, o que não é bom, pois “a caridade e a misericórdia estão no centro da vida de todos os cristãos”. Pires lembrou que “sinodalidade significa que todos se sintam em casa, evitando formas de discriminação, ouvindo aqueles que não são ouvidos”.

Sobre o papel das mulheres, tema que voltou a ser abordado, foi enfatizado que não deve acontecer que “as mulheres que querem servir a Igreja, que tanto ajudam a Igreja e a sociedade, que são comprometidas, estejam em posições marginais”, sendo dito da necessidade de acolher a todos, “inclusive as mulheres que querem ser ordenadas sacerdotes” e outros grupos marginalizados. Também foi discutido o tema dos jovens, sujeitos e não objetos de evangelização, atraídos pelo radicalismo evangélico, que deve levar a colocar Jesus novamente no centro. O tema do ecumenismo foi abordado, e foi afirmado que “a sinodalidade é uma forma de lutar contra o clericalismo“, destacando a necessidade de alcançar as igrejas locais e de realizar sínodos diocesanos.

Importância da reunião de párocos

Entre a primeira e a segunda sessão da Assembleia, foi realizada uma consulta global com os párocos, uma solicitação do Papa, como lembrou Dom Pablo Virgílio David. Depois de participar da reunião de párocos em Roma, em maio, foi organizada uma consulta continental com os párocos, a quem o Papa pediu que fossem apóstolos da sinodalidade, e o progresso da sinodalidade em cada conferência. Sobre a migração dos filipinos, primeiro das áreas rurais para as cidades locais, especialmente Manila, e depois para fora das Filipinas, ele disse que isso é visto como um desafio, já que os migrantes, mesmo dentro do país, são vistos como uma ameaça, o que levou a Igreja filipina a fazer missão entre eles e, assim, estar no meio dos mais pobres, nas periferias, um termo que não era bem conhecido nas Filipinas, mas que o processo sinodal tem ajudado a compreender.

Preparando a Assembleia Sinodal em meio a dificuldades

A preparação para a Primeira Sessão foi muito difícil no Haiti, segundo Dom Launay Saturné, dada a grave situação social de insegurança, com falta de respeito à dignidade da pessoa, o que leva a constantes massacres, diante dos quais as autoridades nada fazem, denunciou o bispo. Isso faz com que as pessoas fujam, o que dificulta a missão da Igreja, dada a violência dos grupos armados, que inclusive impede o acesso à educação. Apesar de tudo, a Igreja fez todo o possível para se preparar para a Assembleia Sinodal, buscando, por meio da formação e da catequese, transmitir os valores que tornam possível a democracia, e pedindo, como Conferência Episcopal, que as autoridades realizem a transição, algo que está parado há muitos anos. A Igreja pede à população que colabore para alcançar a paz e a segurança, destacando o apoio constante do Papa e agradecendo sua proximidade.

Um país que rejeita a linguagem do ódio e da vingança

O Líbano está em guerra desde 1975 e, 50 anos depois, não se quer reconhecer que se trata de uma guerra imposta. Um país que, nas palavras do bispo maronita Mounir Khairallah, é “uma mensagem de paz e deve continuar sendo uma mensagem de paz, no único país do Oriente Médio onde há coexistência pacífica entre cristãos, judeus e muçulmanos”. O bispo, cuja vida foi profundamente marcada pela violência desde que seus pais foram brutalmente assassinados quando ele tinha cinco anos de idade, diz que no Líbano “queremos construir a paz e somos capazes de fazê-lo“, em um país cuja população rejeita a linguagem do ódio e da vingança.

Um clima de grande abertura

O clima é muito diferente na Segunda Sessão da Assembleia Sinodal, observou Catherine Clifford, que relembrou o trabalho realizado no Canadá, quando trabalharam juntos para refletir sobre o Relatório de Síntese. Sobre a primeira semana, ela disse que muito progresso foi feito, destacando a importância da oração, as conversas sobre o processo sinodal e o clima de grande abertura, que faz com que se sinta “a liberdade que nos permite caminhar em direção a questões importantes“. Ele vê os passos dados durante esses dias como “um marco de referência para abordar questões práticas”.

Em sua partilha, a teóloga canadense destacou a questão das igrejas locais como fundamental, “é importante ouvir as histórias das igrejas locais e aprender umas com as outras“. Ela também destacou o aumento da presença de delegados ecumênicos fraternos, que contribuem para a conversa de forma muito profunda e sábia, sentem-se em casa e percebem que também haverá repercussões para suas igrejas. Por fim, Clifford disse que “há uma série de questões que nossas igrejas precisam abordar, mas precisamos fazê-lo juntos, porque isso dará mais frutos”, ressaltando a importância do trabalho dos teólogos nesta Segunda Sessão.

Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Metodologia sinodal: Oferecer ao Papa orientações sobre como ser uma Igreja sinodal em missão

O Instrumentum laboris marca a metodologia de trabalho das assembleias sinodais, algo que não é diferente na Segunda Sessão da Assembleia Sinodal do Sínodo sobre a Sinodalidade, que está sendo realizada de 2 a 27 de outubro de 2024, na Sala Paulo VI do Vaticano, com a participação de mais de 350 membros, aos quais se juntam outros participantes que fazem parte de diferentes equipes.

Ser Igreja sinodal em missão

Parte-se da pergunta que orienta o desenvolvimento desta Segunda Sessão: “Como ser uma Igreja sinodal em missão?”. O propósito é descobrir como concretizar a identidade do Povo de Deus sinodal em missão nas relações, itinerários e lugares onde se desenvolve a vida da Igreja. Quer que esta proposta possa chegar aonde se vive a sinodalidade, às comunidades, paróquias, dioceses, pastorais, movimentos… Por isso é tão importante que todos possam enviar contribuições, observações, propostas, através da Secretaria do Sínodo, para avançar no caminho sinodal.

Essa possibilidade, que é fundamental para o processo avançar, não deve ter sido fácil. Os medos de escutar, de ser a Igreja sinodal, de ser aquela Igreja de todos, todos, todos, da qual Francisco fala constantemente, sempre aparecem. Mas é bom lembrar as palavras de Pedro Casaldáliga, que dizia que o medo é contrário à fé. Vem à minha cabeça a música de Gilberto Gil: ” Andar com fé eu vou, que a fé não costuma faiá’”. O medo excessivo nos leva a buscar seguranças que sacrificam a vida, que matam o Espírito, e não esqueçamos que, na metodologia da Assembleia Sinodal, a conversa no Espírito é elemento protagonista.

Fundamentos de uma Igreja sinodal missionária

Os Fundamentos não pretendem ser “um tratado sinodal”, afirmou o arcebispo de Luxemburgo e relator geral do Sínodo, o cardeal Jean Claude Hollerich, ao começar a abordar esta parte. Nas suas palavras, ele citava o próprio Instrumentum laboris, que diz que esta seção “tenta delinear os fundamentos da visão de uma Igreja sinodal missionária, convidando-nos a aprofundar a compreensão do mistério da Igreja”.

Nesta dinâmica processual, algo de grande importância no pensamento de Francisco e no caminho sinodal, o Instrumento de trabalho, neste primeiro momento, recolhe “a consciência que nestes anos foi se consolidando e em particular as convergências que no ano passado reconhecemos e expressamos no Relatório de Síntese”. Daí que o caminho a seguir não deve procurar “reabrir o debate sobre o que já aprovamos no ano passado, mas tomar o tempo necessário para nos apropriarmos dela e nos situarmos dentro de um horizonte”.

Sintonizar com o método de trabalho

Para isso, os Fundamentos oferecem “a oportunidade de nos sintonizarmos com o método de trabalho”, dado que “as coisas não funcionam exatamente como no ano passado”, embora seja verdade que permanecem as linhas fundamentais propostas na Primeira Sessão. Insiste-se na sinodalidade como modo de ser Igreja e na necessidade de implementá-la, na missão, em ser uma Igreja misericordiosa, aberta a todos, com protagonismo laical e feminino cada vez maior.

Depois serão abordados os relacionamentos, itinerários e lugares, procurando discernir os pontos fortes e as questões a explorar em relação ao que propõe o Instrumentum laboris para responder à pergunta orientadora da Assembleia. Quer-se debater, emendar e aprovar um documento que ofereça ao Papa Francisco algumas orientações sobre como ser uma Igreja sinodal em missão.

Importância da dinâmica a seguir

Esse documento, sob a responsabilidade do relator geral e dos secretários especiais, com o apoio dos especialistas, recolherá os materiais produzidos durante as duas sessões da Assembleia Sinodal, com particular atenção ao fruto do discernimento da Segunda Sessão. Tudo isso seguindo uma dinâmica de oração, invocação ao Espírito Santo, apresentação do rascunho do documento, reflexão pessoal, compartilhamento, debate em plenário, emendas em grupo e aprovação final.

Os Grupos de Trabalho, as famosas mesas redondas, 36 no total, com 10-11 participantes cada, são formados por línguas, 16 em inglês, 7 em italiano, 6 em francês, 6 em espanhol e uma em português, cujos trabalhos se juntam em 5 mesas linguísticas, dois em inglês, e uma em italiano, francês e espanhol-português. Um trabalho que segue o método da conversa no Espírito, com a ajuda de um facilitador e um especialista.

Conversa no Espírito

Na conversa no Espírito cada um toma a palavra a partir de sua própria experiência e oração, e escuta atentamente a contribuição dos outros. Em um segundo momento, procura-se abrir espaço para os outros e para o Outro, compartilhando a partir do que os outros disseram, o que mais ressoou nele ou o que mais resistência suscitou nele, deixando-se guiar pelo Espírito Santo.

Finalmente, é hora de construir juntos, a partir do diálogo comum, discernir e colher o fruto da conversa no Espírito: reconhecer intuições e convergências; identificar discordâncias, obstáculos e novas perguntas; deixar que surjam vozes proféticas. Por isso, é importante que todos possam se sentir representados pelo resultado do trabalho, e que todos ajam com plena liberdade.

Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Santa Maria Faustina Kowalska, apóstola da Divina Misericórdia

Origens 

A mística da Misericórdia nasceu no dia 25 de agosto de 1905, em Glogowiec, na Polônia Central. Faustina foi a terceira dos dez filhos do casal Stanislaus e Marianna Kowalska, que os educaram com grande disciplina espiritual. Muito pobres, só foi possível à Faustina que completasse três anos de estudos. Ela e suas irmãs tinham apenas um bom vestido que tinham de revezar para ir às missas. Todas as irmãs iam à missa, mas cada uma assistia a uma missa diferente. Ela também trabalhou de doméstica por um tempo, antes de entrar no convento. 

Juventude

Com 18 anos, a jovem Faustina disse à sua mãe que desejava ser religiosa, mas os pais não permitiram. Aos 19 anos, estava dançando em um baile, quando viu Jesus coberto de chagas parado junto a si, então, Ele lhe disse: “Até quando hei de ter paciência contigo? Até quando tu me enganarás?”. Faustina disfarçou o acontecido para que sua irmã não percebesse. Quando pôde, abandonou discretamente o baile e dirigiu-se até a Catedral de São Estanislau Kostka. Na Igreja, ela pediu ao Senhor, em oração profunda, que lhe mostrasse o caminho a ser seguido, logo escutou uma voz que lhe dizia: “Vá imediatamente a Varsóvia, lá entrarás em um convento”.

Ousadia de Santa Faustina para o encontro de Jesus

No outro dia, apenas com a roupa do corpo, decidiu sair de sua casa mesmo sem a permissão dos pais. Ela vagou de convento em convento sendo rejeitada por causa de sua baixa escolaridade e pobreza. Depois de várias semanas de busca, a Madre Superiora do convento das Irmãs de Nossa Senhora da Misericórdia decidiu lhe dar uma chance com a condição de que pagasse pelo ingresso, o que a levou a trabalhar como doméstica por um ano, período em que fazia depósitos na conta do convento até que completasse o montante exigido. 

Entrada no Convento

Em 30 de abril de 1926, aos 20 anos, ingressou no convento adotando o nome de Maria Faustina do Santíssimo Sacramento. O nome Faustina significa abençoada, afortunada e pode ser uma referência ao mártir cristão Faustinus. Segundo conta em seus diários, poucas semanas depois de seu ingresso no convento, teve a tentação de abandoná-lo.

Da quase saída do convento ao abandono em Deus 

Chegou a procurar a Madre Superiora, porém, não encontrou-a, retirando-se então para seu dormitório. Lá teve uma visão de Jesus, com seu rosto desfigurado por conta das chagas. Ela questionou-o: “Jesus, quem te feriu tanto?”. Jesus respondeu: “Esta é a dor que me causarias se tivesses abandonado este convento. É para cá que eu te trouxe e não para outro; e tenho preparadas para ti muitas bênçãos”. Ela compreendeu que o plano de Deus para ela era que ficasse ali. O tempo que lhe sobrava dos trabalhos e obrigações passava-se em adoração ao Senhor culto no tabernáculo; d’Ele recebeu luzes especialíssimas sobre o mistério da Santíssima Trindade e as demais verdades da Fé, de forma que costumava dizer: “Ele é meu Mestre”.

Trabalhos no Convento

Neste convento, trabalhou na cozinha e como cuidadora de outras irmãs. Em abril de 1928, fez votos como freira, seus pais estiveram presentes na cerimônia. Um ano mais tarde, Faustina foi enviada a um convento de Vilnius, Lituânia, onde também trabalhou como cozinheira, ficou por pouco tempo, mas retornou ao local mais tarde, ocasião em que encontrou com Michał Sopoćko, que apoiou sua missão. Um ano depois de seu retorno de Vilnius, em maio de 1930, ela foi transferida para um convento em Płock, na Polônia, onde ficou por cerca de 5 anos.

A Primeira Revelação de Jesus 

Em 22 de fevereiro de 1931, Irmã Faustina relatou, em seus diários (diário I, sessões 47, 48 e 49), ter tido a primeira revelação de Jesus enquanto Rei da Divina Misericórdia em seu quarto. Segundo ela, Jesus apareceu vestido de branco e de seu coração emanava feixes de luz vermelho e branco. 

O pedido de Jesus para Santa Faustina 

Entre outras coisas, Jesus pediu-lhe que pintasse uma imagem sua, fiel à imagem que se mostrava a ela. A imagem deveria conter a inscrição: “Jesus, eu confio em vós”. Jesus manifestou a vontade de que esta imagem fosse venerada, primeiro, em sua capela, posteriormente, no mundo todo e solenemente no domingo que sucede ao domingo de Páscoa, Jesus ainda teria dito a ela que quem quer que venerasse tal imagem seria salvo. Por não saber pintar, Faustina solicitou ajuda das irmãs de seu convento, contudo, não recebeu nenhum auxílio. 

O Livro de suas Visões 

Em 1933, ela começou a ser dirigida pelo Padre Sopoćko, que, ao ouvir suas experiências místicas, procurou submetê-la a avaliações psiquiátricas. Depois que a Dra. Helena Maciejewska deu o parecer de sanidade, padre Sopoćko teve confiança e começou a aconselhá-la. Pediu que escrevesse um diário para registrar as mensagens que recebia e conversas que tinha com Jesus, livro que se tornou mundialmente famoso e um verdadeiro guia espiritual para as almas. 

Imagem da Divina Misericórdia

Faustina contou ao padre sobre a imagem da Divina Misericórdia, em janeiro de 1934, ele a apresentou ao artista plástico Eugene Kazimierowski, que finalizou a obra em junho desse mesmo ano. Entretanto, a imagem que tornou-se famosa no mundo inteiro foi realizada pelo pintor Adolf Hyła, feita em agradecimento pela salvação de sua família da guerra.

Terço da Divina Misericórdia

Faustina escreveu (n. 476) a respeito de uma visão envolvendo o Terço da Divina Misericórdia, o propósito das orações do terço são: obter misericórdia, confiar na misericórdia de Cristo e mostrar misericórdia para com os outros. 

Festa da Divina Misericórdia

Também relatou (n. 1044) que teve uma visão na qual a Festa da Divina Misericórdia seria celebrada na sua capela local e seria assistida por uma multidão de fiéis; e que a mesma cerimônia também teria lugar em Roma e seria conduzida pelo Papa. Em 1937, Faustina recebeu uma mensagem de Jesus com instruções sobre a Novena da Divina Misericórdia. Esse ano foi marcado pela divulgação das mensagens da Divina Misericórdia, foram impressos os primeiros cartões com a imagem da Divina Misericórdia, também foi publicado um panfleto intitulado Cristo, o Rei da Misericórdia, que incluía o terço, a novena e a litania da Divina Misericórdia.

Páscoa 

Santa Faustina sofreu muito, e por muitos anos, com a tuberculose, os dez últimos anos de sua vida foram particularmente atrozes. No dia 5 de outubro de 1938, sussurrou à irmã enfermeira: “Hoje, o Senhor me receberá”. E assim aconteceu. Foi beatificada a 18 de abril de 1993, pelo Papa João Paulo II, Santa Faustina, a “Apóstola da Divina Misericórdia”; e foi canonizada pelo mesmo Sumo Pontífice no dia 30 de abril de 2000.

Minha oração

“Querida apóstola da misericórdia, educai-nos para que vivamos da melhor maneira esse conselho evangélico, nele encontremos a misericórdia divina e sejamos misericordiosos com nossos irmãos. Por Cristo Nosso Senhor. Amém.”

Santa Maria Faustina Kowalska , rogai por nós!

Sinodalidade é compartilhar a água com todos, puxá-la ao seu moinho nos empobrece

Em poucas horas, a Segunda Sessão da Assembleia Sinodal do Sínodo sobre Sinodalidade nos deixou algumas reflexões, que devem nos levar a nos perguntar sobre algumas atitudes que devemos deixar para trás se quisermos ser uma Igreja sinodal, se quisermos viver a sinodalidade na prática.

Diálogos entre surdos

Fiquei impressionado com as palavras do Papa Francisco em sua homilia na missa de abertura, na qual ele advertiu sobre o perigo de “nos fechar num diálogo de surdos, onde cada um tenta ‘puxar água ao seu moinho’ sem ouvir os outros e, sobretudo, sem ouvir a voz do Senhor”. Mais uma vez, ele nos adverte sobre uma atitude que está presente em muitas pessoas, até mesmo em muitos de nós, até mesmo em mim e em você, mesmo que não sejamos capazes de reconhecê-la.

A tentativa de “levar água para o seu próprio moinho” é um sinal de que não sabemos quem é Deus, fonte de água em abundância para todos, que move a vida de todos, a água move a roda do moinho, também daqueles em quem não somos capazes de descobrir a vida que nasce deles, pois não nos esqueçamos de que Deus deposita essa vida em cada uma das criaturas.

Quando escutamos os outros e escutamos a voz do Senhor, somos enriquecidos, ainda mais quando essa escuta nasce da diversidade. Mesmo que tenhamos medo de quem é diferente, de quem pensa diferente, isso também acontece na Igreja. A diversidade é uma fonte de conhecimento, é algo que enriquece nossa vida, porque encontramos pessoas, realidades, maneiras de viver a fé que, por serem desconhecidas, nos permitem aumentar nosso conhecimento.

Apontar trajetórias de crescimento

Francisco é alguém com uma grande capacidade de nos questionar, de nos colocar diante de nós mesmos e diante de Deus, uma atitude necessária para podermos crescer pessoalmente e como comunidade, para podermos caminhar juntos, para podermos tornar realidade uma Igreja sinodal. Daí a importância do tempo de retiro antes da Assembleia Sinodal, da necessidade de viver o Sínodo em um clima de oração para escutar a voz do Espírito, que pode ajudar os membros da Assembleia Sinodal a indicar “possíveis caminhos de crescimento pelos quais convidar as Igrejas a caminhar”, como disse o Cardeal Hollerich, relator geral do Sínodo, na primeira congregação geral, realizada na tarde de 2 de outubro.

Não queiramos monopolizar Deus, não pensemos que somos os únicos que o conhecem, não nos sintamos donos de Deus. Estejamos convencidos de que caminhar juntos nos enriquece, que compartilhar a água que vem de Deus não só enriquece os outros, mas também a nós mesmos. Vamos disfrutar do caminhar juntos, vamos sentir a alegria de viver nossa fé em comunhão com a humanidade e com todas as criaturas. É hora de assumir que a sinodalidade é compartilhar a água com todos, que puxá-la ao seu moinho só nos empobrece.

Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

A Igreja sinodal de Francisco, uma Igreja que escuta a todos, todos, todos

A Igreja sinodal de Francisco, que o próprio Papa definiu como o modo de ser Igreja no século XXI, é algo que vai muito além da Assembleia Sinodal. A sinodalidade é um processo que a Igreja leva adiante de várias maneiras.

Assumindo o estilo sinodal como Igreja

Nesse sentido, é importante a declaração feita pelo Secretário da Secretaria do Sínodo, que poderíamos dizer que é a sala de máquinas da sinodalidade e, portanto, um dos instrumentos decisivos da Igreja de Francisco. O Cardeal Mario Grech se referiu aos 10 Grupos de Estudo criados a pedido do Santo Padre para aprofundar as questões teológicas presentes no Relatório Síntese da Primeira Sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, algo que foi retomado por Giacomo Costa na Sala Stampa. O cardeal maltês disse que o trabalho desses grupos “não é estranho ao Caminho Sinodal e, especialmente, ao estilo sinodal que nós, como Igreja, estamos tentando assumir”.

Grech lembrou o que o Papa Francisco lhe disse em uma carta datada de 22 de fevereiro de 2024, na qual ele pediu a esses grupos que “trabalhassem de acordo com um método autenticamente sinodal”. Para o Secretário da Secretaria do Sínodo, “isso significa que, dentro do Sínodo, esses grupos são chamados a incentivar a participação efetiva de todos os membros, mas também são chamados a permanecer abertos a uma participação mais ampla, a de todo o Povo de Deus”.

Participação de todo o Povo de Deus, um ponto-chave

A participação de todo o povo de Deus é o ponto-chave dessa Igreja sinodal. Aqueles que participam desses grupos, incluindo os membros da Assembleia Sinodal, não podem se sentir como alguém que decide, mas como alguém que escuta a todos, escuta a voz do Espírito e, junto com outros, por meio da conversa no Espírito, discerne.

Na comunicação do Cardeal Grech, afirma-se claramente que “enquanto os 10 grupos – e com eles também a Comissão – continuarem funcionando, ou seja, até junho de 2025, será possível que todos enviem contribuições, comentários e propostas. Pastores e líderes da Igreja, mas também, e acima de tudo, cada crente, homem ou mulher, e cada grupo, associação, movimento ou comunidade poderá participar com sua própria contribuição”.

Uma Igreja que escuta

A importância dessa proposta é decisiva para entender o que significa uma Igreja que escuta. Penso, e me enche de alegria, na possibilidade de que um ministro da Palavra, uma catequista de uma das comunidades ribeirinhas que acompanho às margens do Rio Negro, na arquidiocese de Manaus, possa enviar à Secretaria do Sínodo o que é vivido, rezado, celebrado, testemunhado, nessas comunidades, por tantos homens e, principalmente, mulheres, que doam suas vidas gratuitamente para que o Evangelho continue presente na vida dessas pessoas. Quantas coisas interessantes poderiam vir dessas e de outras comunidades semelhantes!

Uma Igreja que tem medo de escutar a todos se torna autorreferencial, e Francisco nos adverte constantemente contra esse perigo. Portanto, só podemos dizer ao Secretariado do Sínodo: obrigado por garantir o método sinodal, por sua disposição em coletar o material que lhe será enviado e repassá-lo ao(s) grupo(s) relevante(s). A sinodalidade não é teoria, é prática, e isso, mesmo que deixe algumas pessoas nervosas, é sinodalidade, é Igreja real, porque a Igreja nunca foi um pequeno grupo de puros e escolhidos. Não nos esqueçamos que uma Igreja de puros e escolhidos, isso é heresia.

Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Dolores Palencia: “Nós, mulheres, também temos que aprender a nos libertar de um estilo de clericalismo que vivemos”.

Um dos elementos presentes no processo sinodal do Sínodo sobre a Sinodalidade é o lugar das mulheres na Igreja e sua participação nos processos de tomada de decisões, uma reflexão confiada a um dos dez grupos de trabalho criados pelo Papa Francisco em fevereiro de 2024, que continuará seu trabalho após o encerramento da Segunda Sessão da Assembleia Sinodal.

O caminho está sendo percorrido

Estão sendo dados passos nessa direção, como Maria Dolores Palencia apontou na primeira coletiva de imprensa da Segunda Sessão da Assembleia Sinodal. No seu caso, sua nomeação como Presidente Delegada da Assembleia Sinodal, junto com Momoko Nishimura do Japão, cargo que compartilha com outros sete homens, foi uma das surpresas da Primeira Sessão da Assembleia Sinodal.

O que se experimenta na Assembleia Sinodal e na vida cotidiana da Igreja nas dioceses, paróquias, comunidades e outras esferas eclesiais, leva a religiosa mexicana a dizer que “a experiência deste ano, entre uma sessão e outra, nos mostrou como uma experiência de aprendizagem, que um caminho está sendo feito, e que esse caminho está dando frutos”. Maria Dolores Palencia enfatizou que “depende muito dos contextos e das culturas, dos continentes”.

Abertura de novas experiências e propostas

A Delegada Presidente da Assembleia Sinodal faz eco ao que está sendo vivido no México, mas também na América Latina e no Caribe, algo que ela foi descobrindo nos diversos encontros para os quais, junto com os outros membros do Sínodo da região América-Caribe, foi convidada ao longo do processo sinodal, momentos em que compartilharam e dialogaram”. Nessa perspectiva, ela destaca que “está sendo trilhado um caminho em que o papel das mulheres, seus dons e suas contribuições em uma Igreja sinodal estão sendo cada vez mais reconhecidos”.

Ela também destacou que “estamos reconhecendo a possibilidade de abrir novas experiências e propostas para descobrir ainda mais esse papel, para podermos nos aprofundar”. Falando sobre o trabalho nos círculos menores, as mesas redondas nas quais a Assembleia Sinodal é organizada, ela contou o que ouviu na mesa da qual estava participando, onde foi dito que “há lugares onde os conselhos pastorais são cem por cento femininos, o padre e todos os membros do conselho pastoral são mulheres”.

Levando em conta os contextos

“Depende dos contextos, mas isso está sendo feito pouco a pouco”, disse. Nesse sentido, ela enfatizou que é um aprendizado, mesmo em alguns lugares, para mulheres leigas e consagradas, “porque também temos que aprender a nos libertar de um estilo de clericalismo que experimentamos, também de nossa parte”.

Por isso, a religiosa mexicana, acostumada a viver nas periferias, atualmente vivendo em um refúgio para migrantes no México, não hesita em dizer que “passos estão sendo dados, temos que dar passos ainda mais amplos, mais rápidos, mais intensos”, mas ao mesmo tempo ressalta que “temos que levar em conta os contextos, respeitar as culturas, dialogar com essas culturas e ouvir as próprias mulheres, nesses lugares e nessas culturas, mas há de fato um caminho a seguir”.

Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB No