Encontro de chanceleres do Regional Norte 1: “Se a Igreja não é encarnada, a chancelaria é uma alfândega”

Os e as chanceleres das igrejas locais que fazem parte do Regional Norte 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil estão reunidos nos dias 3 e 4 de abril de 2025 na Casa de Espiritualidade Crostarosa de Manaus. Um encontro que pretende refletir sobre a “Missão do/a chanceler numa Igreja Sinodal com rosto amazônico”.

Chancelaria numa Igreja sinodal

Uma missão assumida por padres, diáconos permanentes, religiosas e leigas, que tiveram como ponto de partida uma reflexão sobre o conceito de chanceler na dimensão eclesiológica sinodal, seu perfil e sua função, buscando criar sensibilidade de Regional, interajuda, numa mentalidade não clerical, com a assessoria do bispo auxiliar de Manaus, dom Zenildo Lima.

O encontro é uma novidade, sendo uma oportunidade para conhecer, aprofundar, esclarecer, receber orientações desde a ajuda mútua, e assim responder às necessidades da Igreja e acompanhar a vida das dioceses e prelazias, o que faz com que o encontro seja de grande valia para os participantes, pudendo superar as dificuldades e desafios.

Chancelaria como expressão de comunicação da Igreja

O bispo auxiliar de Manaus refletiu sobre como a chancelaria pode ser expressão de comunicação da Igreja, sobre a lógica e dinâmicas de comunicação da Igreja, ajudando a encontrar as pessoas em suas individualidades. Dom Zenildo Lima insistiu em que o chanceler lida com pessoas que chegam com seus pedidos e exigências, não chegam com problemas.

A chancelaria é mais do que um trabalho com papeis, com documentos, é evangelizar. “O objeto do nosso trabalho são pessoas, não são documentos”, enfatizou dom Zenildo Lima, colocando diversos exemplos concretos de quem são essas pessoas, mas sublinhando que são sempre pessoas. Na Igreja da Amazônia isso tem se concretizado a partir do conceito de encarnação, um conceito que aparece em Santarém 1972, sendo retomado 50 anos depois, buscando assim ser hospital de campanha e não alfândega, segundo diz o Papa Francisco.

Necessidade da encarnação

Se a Igreja não é encarnada, a cúria é burocrática, a chancelaria é uma alfândega”, disse o bispo auxiliar de Manaus. Não se trata de eficiência e sim de evangelização, segundo dom Zenildo. Ele lembrou que a chancelaria não pode ser uma estrutura pesada, refletindo sobre a Constituição Apostólica “Praedicate Evangelium” do Papa Francisco, que trata sobre a Cúria Romana e seu serviço à Igreja no mundo, e suas repercussões nas igrejas locais. O bispo auxiliar apresentou alguns elementos presentes no Magistério em relação à Cúria, no Concílio Vaticano I, Vaticano II e os Códigos de Direito Canônico.

Na perspectiva do Concílio Vaticano II, da Pastores Gregis, as características dos colaboradores da Cúria têm a ver com a competência, zelo pastoral e integridade da vida cristã, preparação teológica e técnica, fazendo um chamado aos bispos a escutá-los, a realizar trabalhos evangelizadores e evitar uma mentalidade burocrática.

Chancelaria na estrutura da Igreja

Na perspectiva do Sínodo sobre a Sinodalidade, a partir do Documento Final do Sínodo, dom Zenildo destacou o coração da sinodalidade e refletiu sobre as motivações que sustentam a sinodalidade e suas concreções, do ser, estruturar e fazer da Igreja. Nessa perspectiva, a chancelaria tem a ver com a estrutura da Igreja, sendo instrumento que ajuda o bispo a governar a Igreja.

Nesse sentido, o bispo refletiu sobre as novas relações em torno à chancelaria, sobre o fato de no Regional Norte 1 a chancelaria seja exercida por mulheres, por diáconos permanentes. Igualmente, sobre os processos, sobre o jeito de fazer os discernimentos, tomar as decisões e acompanhar essas decisões. Mas também sobre os vínculos, que leva a entender a chancelaria como um serviço à Igreja local no horizonte da evangelização, do serviço às pessoas, como expressão e salvaguarda da sinodalidade na Igreja local.

Chancelaria a serviço da memória

O serviço da chancelaria em chave sinodal tem a ver com a redação dos documentos, que deve ter presente o conjunto da Igreja local, não se reduzindo a um ato isolado, também com o registro, em vista da própria memória da Igreja particular, como ferramenta a serviço da memória, bem como um testemunho da encarnação eclesial em determinado período da história.

Um encontro que aborda as atribuições, competências e responsabilidades do/a chanceler em vista da corresponsabilidade e a missão dentro e fora da Igreja sinodal. Uma temática que está em relação com a dimensão pastoral e sinodal da missão da Igreja com rosto amazônico e as prioridades para Ação Evangelizadora no Regional Norte 1 da CNBB. Tudo isso numa dinâmica de partilha de experiências da missão de chanceler nas igrejas locais, igrejas com fragilidade estrutural, mas que quer avançar nesse caminho em vista de um serviço organizado.

Chancelaria que conhece a Pastoral

Tudo isso, segundo insistiu dom Zenildo Lima, desde uma visão ampla, conhecendo e assumindo os planos de evangelização da Igreja local, do Regional, da Igreja do Brasil e da Igreja universal. Ninguém pode esquecer que o Direito Canónico está ao serviço do serviço pastoral, pois “aplicar o Direito exige conhecer a pastoral e exige conhecer a evangelização”, segundo o bispo auxiliar de Manaus.

Nesse sentido, ele refletiu sobre as implicações das Diretrizes para a Ação Evangelizadora na chancelaria, numa Igreja Discípula Missionária, que assume e vivencia a ministerialidade de forma dinâmica. Uma Igreja discípula da Palavra, se questionando até que ponto a Palavra inspira a estrutura da Igreja, dado que a Palavra inspira e permite o diálogo e a escuta, permite a interculturalidade. Uma Igreja servidora e defensora da vida, com causas comuns, que atende os vulneráveis e articula o serviço de fé e cidadania.

Fonte: Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte 1

 

A ministerialidade das mulheres chanceleres no Regional Norte 1

Na Igreja da Amazônia, a ministerialidade especifica-se de modos poucos comuns em outras realidades eclesiais. São expressões ministeriais que tem a ver com uma Igreja Sinodal com rosto amazônico, uma Igreja sustentada no Batismo, uma Igreja em que as mulheres assumem espaços de responsabilidade, que historicamente não tinham um rosto feminino à sua frente.

Padre Modino – Regional Norte 1

Na diocese de Roraima, a chancelaria é assumida pela irmã. Sofia Quintans Bouzada, enquanto na prelazia de Tefé é uma leiga, Juliana de Souza Martins, que desempenha esse serviço. Isso é uma novidade na práxis, que de modo nenhum contradiz o Direito Canônico, mas que tem que ser visto como um processo de mudança neste momento histórico que a Igreja universal e a Igreja da Amazônia estão vivendo.

As reformas que o Papa Francisco vai introduzindo na Cúria Vaticana, com nomeação de mulheres para postos de responsabilidade, aos poucos também vão se fazendo presentes em algumas igrejas locais. O serviço da chancelaria, tradicionalmente assumido por padres, agora exercido por mulheres, é um exemplo disso. Segundo a chanceler da prelazia de Tefé, “com todo esse convite do Papa, a gente percebe também que os nossos bispos também se abrem a esse novo.” É uma aposta dos bispos para as mulheres estar nesses espaços, como é a chancelaria, que mostra que “nossos bispos também estão neste caminho de abertura da Igreja, para esse momento novo com a inserção das mulheres nessas funções”, sublinha Juliana de Souza Martins.

A ministerialidade das mulheres chanceleres no Regional Norte 1

As mulheres maioria nas comunidades

Ninguém pode esquecer que “as mulheres fazemos parte das comunidades de base, somos a maioria nas comunidades, somos as que alentamos os processos, acompanhamos as pastorais, estamos como verdadeiras diaconisas nas igrejas locais”, segundo a Ir. Sofia Quintans. A religiosa afirma que assumir esses serviços “é simplesmente reconhecer aquilo que já fazemos no dia a dia na igreja local, nas comunidades de base.” A chanceler da diocese de Roraima, afirma que “com nossa competência e nosso modo de ser e estar, ajudamos também para que esta Igreja seja inclusiva, integre a todos, todos, todos, como disse o Papa Francisco, e haja processos novos de relação, processos de inclusão e outra nova sensibilidade incorporada nos processos eclesiais, nas tomadas de decisão, na formação, em tudo.”

A irmã Sofia insiste em que “a mulher faz parte da Igreja, fazemos parte da Igreja faz muito tempo, e nos reconhecermos como chanceleres é algo que é possível na Igreja faz muito tempo. Só que temos inércias incorporadas e se faz necessário quebrar essas inércias.” De fato, as mulheres na chancelaria enfrentam diversos desafios, que em primeiro lugar surgem da grande responsabilidade assumida, da confiança depositada nelas para vivenciar um processo que é uma corresponsabilidade com o Ministério Pastoral do bispo.

A chanceler da diocese de Roraima destaca a necessidade do respeito muito profundo à caminhada histórica da Igreja local, “e tentar fazer de ponte com as comunidades, as paróquias, áreas missionárias, áreas indígenas, com a caminhada pastoral da Igreja, com a realidade local e os novos desafios da realidade migratória, dos povos indígenas e também com os desafios dos missionários”, sublinhando que a importância da Cúria ser um lugar de hospitalidade, de encontro e de Igreja em saída, de fazer uma caminhada em conjunto, sinodal.

A ministerialidade das mulheres chanceleres no Regional Norte 1

A capacidade e o papel das mulheres

Olhando para a Igreja da Amazônia, Juliana de Souza Martins reflete sobre o desafio de reconhecer que o papel da chanceler e do chanceler é um papel importantíssimo, fundamental, dentro da cúria, dar visibilidade. No plano da ministerialidade feminina, uma dinâmica que teve um grande impulso no atual pontificado, se faz necessário da parte das mulheres, “nos dar conta da capacidade e do papel que nós temos dentro da Igreja. Às vezes, com o desafio, por sermos ainda uma Igreja muito masculina, muito paternal.”

Ela reconhece o sofrimento das mulheres, mas também os passos já dados, os avanços, afirmando que “é algo muito presente, muito enraizado ainda dentro da nossa Igreja e às vezes isso acaba nos limitando no nosso pensar e no nosso agir. Mas eu acredito que se nós permanecermos firmes enquanto mulheres, nos reconhecermos como figuras transformadoras, importantíssimas para a evangelização da nossa Igreja, eu acredito que é nesse caminho que a gente deve continuar e persistir.”

A ministerialidade das mulheres chanceleres no Regional Norte 1

Reconhecer os serviços das mulheres

A irmã Sofia faz um chamado às mulheres para um reconhecimento mútuo, um apoio mútuo, para assumir que “temos qualidades e competências, além de uma experiência espiritual muito forte que sustenta a Igreja toda.” Ela também insiste em “reconhecer os nossos serviços que já estamos a vivenciar na Igreja, dentro das comunidades, dentro das pastorais, de lideranças, com ministérios reconhecidos.”

Trata-se de “abrir caminho para outros ministérios que podem ser mesmo reconhecidos, ocupando os espaços, sem ter que pedir licença, dando-nos confiança mútua, mulheres e homens, homens e mulheres, tentando vivenciar essa experiência de missão conjunta, de missão em equipe”, com “conhecimento, responsabilidade, visibilidade, confiança mútua, vivenciando tudo juntos e juntas, em igualdade, com a mesma dignidade, mas em igualdade”, concluiu a religiosa.

Fonte: Vatican News